28 de janeiro de 2013

Ainda sobre a morte.....

Minha última postagem foi sobre a morte, e incrivelmente depois dela, li essa mensagem no facebook.
Acho que todas as pessoas deveriam ler, e refletir muito sobre as coisas da vida e da morte...

Ontem de madrugada, mais de 230 jovens morreram asfixiados e pisoteados em uma boate, quando apenas queriam se divertir.  Tudo por uma incapacidade do ser humano de ser honesto naquilo que faz, serviços de má qualidade, colocando a vida de pessoas em risco.
Um imenso e afetuoso abraço aos familiares e amigos desses jovens.
E que tudo isso não seja em vão, que as autoridades comecem a realmente fiscalizar e cobrar o correto.

Copio aqui o texo, lindo e eterno:

"O que falar para alguém que está prestes à morrer?
 Nota de falecimento de R.




Lindas e frágeis, como a vida
Meu nome é Frederico Mattos, tenho 31 anos, sou psicólogo e escrevo o http://www.sobreavida.com.br/, um blog sobre coisas da vida e relacionamentos. Um leitor me enviou esse email: -  http://goo.gl/2zsHn 


Olá Fred,

Já que a Dona M. tomou coragem e confessou que nunca amou o marido de 30 anos eu tomei a liberdade de mandar esse e-mail.

Enviei logo cedo após receber meus remédios para que você pudesse ler logo que acordasse. Espero que não se importe.

Estou há uma semana internado num bom hospital e entre um mal-estar e outro tenho lido seu blog. Logo que me internei um amigo me disse: acho que agora é hora de pensar sobre a vida. Sou viciado em tecnologia, peguei meu iPad (foi a única coisa que pedi que os médicos não me tirassem) e digitei no Google “sobre a vida”. Surgiu seu blog e confesso que pensei “mais um blog de merda falando blábláblá”. Não dei confiança, mas depois de não achar nada muito interessante voltei ali.

Tenho 28 anos, minha barba cultivada com gosto para que eu aparente mais idade está caindo, isso me aborrece.
A questão que me intriga é que vou morrer e não sei o que fazer diante da morte. Vou morrer em breve, talvez eu não receba sua resposta. Claro que não estou pendente disso para morrer (isso está infelizmente fora de minhas mãos), mas filhadaputamente o padre que veio me visitar e não gostei do que ouvi. Sei que ele trouxe palavras bondosas, mas tão vazias de real sentido para mim que aproveitei que eu estava vomitando que nem um desgraçado para enxotar aquele velho de batina. Minha doença me consome rapidamente e não acredito em nada para além desta vida, nem preciso acreditar. Sou ateu (o máximo de fé que tenho é fazer figuinhas, pois mamãe me ensinou e lembro dela quando faço) e sinceramente não me culpo por isso.

Tive uma vida cheia de acontecimentos, aproveitei tudo mesmo, sem exageros ou excentricidades. Minha doença é um tipo de problema genético, raro e fatal. Os médicos não afirmam nada (eles sempre estão um pouco emburrados), mas já pesquisei na internet e realmente acho que vou bater as botas mais rápido do que eu queria.
Fiquei pensando o que você, como psicólogo, teria a dizer para alguém que tem algumas horas ou dias de vida ainda pela frente? Se eu não conseguir ler a resposta espero que ajude alguém nas mesmas condições ou que ajude qualquer um.

Abraço,
R.”


Caro R.

Acho que não estou em posição de aconselhar alguém que está em uma condição única e porque não dizer privilegiada como a sua. Sim, privilegiada. Estar diante do próprio fim e fazer a pergunta certa não é tão simples.

Já que você digitou no Google SOBRE A VIDA, vou falar algumas coisas que penso sobre a vida. Espero que sirvam.
Na vida eu finjo que não tenho medo da morte faz muito tempo. Eu tenho construído um castelo de certezas, de virtudes e de sentido para simplesmente negar o fato de que vou morrer, assim como você.

Na vida vi que todas as amizades que tenho são para me deixar menos sozinho comigo mesmo. Além disso evitar saber que tudo irá acabar de um momento para o outro. Mas elas dão um colorido diferente para o passar dos anos. Algumas valem a pena cultivar, outras são passageiras e deixam uma marca, algumas temos o dever moral de levar para a vida inteira.

Na vida não tenho certeza de nada e noto que a maior parte das pessoas não tem. Mas não perdemos a irresistível atração em fingir que sabemos de tudo. Antes eu ouvia os bons conselhos, agora duvido deles. Sempre me parecem demasiado polidos ou conservadores. Como aquelas tias velhas que tem medo de atravessar a rua e recomendam que você não faça o mesmo.

Com as críticas ainda tenho dificuldades, confesso que quando me dizem que sou metido a sabichão ainda fico meio doído. Acho que é pelo fato de que a pessoa ainda não me conheceu de verdade e me julga pelas minhas defesas. A prepotência que me resta é só um jeito falsamente forte que encontrei para que eu não seja inundado pelo mar de amor que sinto, mas me fragiliza.

Pelo visto você é uma pessoa que foi agraciada pelo bem estar financeiro. Isso é excelente, com o tempo aprendi que o dinheiro pode ser um grande amigo de boas realizações. Que ele é a chave mestra que reflete o fruto do meu trabalho e que me abre portas para conhecer coisas que eu nunca poderia sem ele. O dinheiro não é meu inimigo e nem meu amigo, apenas um cúmplice daquilo que quero ser. O meu dinheiro sou eu em forma de notas. O dinheiro de cada um reflete o que a pessoa é.

Também me parece que você é muito amado pelas pessoas. Essencialmente cercado de pessoas boas que te recomendam no momento mais difícil que pense sobre a vida. Isso parece que é a grande fórmula para viver e morrer feliz. Nos cercamos de muitas pessoas que nos fazem mal, nos colocam para baixo e subestimam nossa capacidade. Elas querem nos ajudar de um jeito que reforça nossa infantilidade e passividade na vida. Com o tempo procurei selecionar as pessoas do meu convívio. Conheci amigos maravilhosos, terminei relacionamentos que me faziam mal e cultivei bons hábitos como me encontrar sempre que possível com as pessoas que eu amo. Meus livros que eu tanto adorava ler com exclusividade absoluta agora estão um pouco de lado. Ainda os amo, mas livros sem pessoas são apenas folhas sem sentido. O verdadeiro livro que sempre quis escrever já está sendo escrito no longo dos meus dias. Acho que o seu livro não-publicado deve ter excelentes páginas e narrativas memoráveis. Deixe que isso te alegre, inclusive agora.

Com o tempo eu percebi que a cereja do bolo da minha vida não foi composta de grandes eventos ou celebrações. Mas foi no tecido invisível dos minutos discretos que ninguém reparava. Eu sempre soube que aqueles pequenos gestos de gentileza é que realmente fazem a diferença. Acordar um pouco mais cedo para dar a mão para uma pessoa. Levantar da cama antes e pegar o copo d’água. Consolar uma lágrima que não foi anunciada. Pequenas coisas pelas quais você não vai ganhar nenhum prêmio ou recompensa e ainda assim devem ser feitas.

Meu caro R. tenho medo, muito medo de tudo. Medo de falhar, fracassar, decepcionar, fraquejar, deprimir até parar com tudo e ficar maluco, as vezes enfrento dias difíceis (na minha cabeça) que penso que não vou aguentar. Mas administro esse medo da seguinte maneira, sei que são apenas medos, nada além disso. Um jeito meio menino de fantasiar as coisas maiores do que realmente são só para que depois eu brinque de super-homem. Afinal quanto maior meu obstáculo, mais eu acho que fui invencível na superação.

Hoje tenho rido muito mais de mim, sou um desastrado. Não sei cortar uma melancia sem sujar toda a pia e ela ficar parecida com um leque torto e feio. Me perco no transito, mesmo com GPS. Falo coisas fora de hora. Confesso meu amor antes do tempo. Tolero coisas intoleráveis por mais tempo que devia. Sou um bobo incorrigível. Mas, afinal, essa é a versão improvisada de mim mesmo, sei que com o tempo esse eu de hoje será uma lembrança pálida no eu de amanhã. Então rir de mim me ajudou a não me magoar tanto ou me levar tão à sério), afinal todos somos rascunhos da vida. Perdidos como ratos pelados.

Lidar com pessoas sempre foi um desafio para mim. Sou sensível ao extremo, um sorriso me levanta e um olhar de desaprovação me derruba. Comecei a entender, a duras penas que não posso ter controle do que os outros sentem por mim. Se você me odeia problema seu, se me ama também. Pode parecer uma visão radical ou uma fala grosseira. Mas se pudesse me ouvir agora dizendo isso seria com uma voz doce e com sorriso nos olhos. O ódio que sente por mim é responsabilidade sua, o amor que sente também. O máximo que posso fazer é dançar em volta do seu coração até que seu ódio se acalme e me veja humano (com o que tenho de bom incluído) e seu amor se consolide e me veja humano (com o que tenho de pior incluído).

Acho que o mais difícil de morrer deve ser imaginar que não veremos mais aqueles que amamos. Quando trabalhei com pessoas com câncer (doença nem sempre rápida e fatal) aprendi que a melhor despedida acontece com as relações que foram mais completas e sem falsidades. Se tivemos uma relação truncada, conflituosa e cheia de pendências o luto é mais difícil. Nesse momento tente diminuir as suas pendências e diga o que vem no fundo do seu coração para os outros. Não hesite, você não tem mais nada a perder. Literalmente.

Posso dizer que o amor e o trabalho sempre me guiaram. Mas sei que o amor é um enigma. Hoje me parece muito mais um grande campo em que muitos eventos acontecem por ali. Toda a vez que tentei cercar demais a pessoa amada ela se foi, deixar ela pra lá em demasia também não funcionou. A melhor garantia que posso oferecer hoje é que onde eu estiver estarei ali.

Já fique muito preso ao passado e tudo o que não funcionou ali. Também já fiquei afoito para que o futuro chegasse logo e ele nunca chegou quando eu queria. Então decidi colocar o rabo no meio das pernas e viver aquilo que eu consigo hoje. As vezes minha cabeça me engana e tenta me sequestrar para frente ou para trás. Então eu digo para minha mente “ei, dá uma olhadinha nesse momento entediante, podemos fazer algo com isso, que tal?” e numa fração de segundos a minha mente faceira corre para brincar comigo no presente de novo.

Sou tão jovem quanto você, então não encare como presunção tudo o que eu disse. Posso garantir que existem vidas muito mais interessantes que a minha para você tomar por exemplo. Minhas grandes vivências aconteceram mais no fundo do meu coração do que na vida concreta. No entanto, foi a vida que me coube viver e que me satisfez até agora. A sua vida é a melhor que você pode viver, olhe com compaixão por ela, nada acrescente nela e muito menos mutile. Tudo ali é do tamanho que devia ter. Até sua barba que se despediu de você.

Quando olhamos uma vela temos a ilusão de que ela irá apagar quando a cera chegar ao fim. As vezes acaba antes, outras a luz continua depois. No seu caso, sua vela está te surpreendendo, em alguns minutos. A minha pode me surpreender, assim com todas as pessoas que amamos. Estamos no mesmo barco.

Minha curiosidade (mal que não quero tirar de mim) vai me dizer para que dê um retorno caso tenha conseguido ler. Sei que os leitores do blog vão pedir o mesmo. Então se puder, mande um sinal de fumaça. Sei que esse texto vai ajudar mais quem ficará vivo (ou finge que está vivo como eu) por um pouco mais de tempo que você. Mas se te ajudar em algo, já fico mais que satisfeito.

Ah, se eu pudesse falar uma última coisa seria morra o mais vivo que puder

Um abraço meu caro, longa vida enquanto ela existir!

_______

Hoje recebo esse recado:

Meu irmão pediu que eu enviasse esse e-mail para você assim que falecesse. Ele me mostrou o texto do seu blog emocionado e falou coisas muito bonitas sobre o amor que sentia por todos nós e se desculpava se nem sempre estava tão presente quanto gostaria. Acrescento que ele partiu essa madrugada de sexta-feira tranquilamente e sem dor, abraçado com papai e seu iPad (inseparável, aposto que vai procurar o Steve Jobs). Sentiremos muito a falta daquele menino que sempre tinha uma palavra carinhosa e um sorriso pronto nos lábios.

"Querido Fred


Fiquei comovido com a honestidade em revelar aspectos da sua vida de um jeito tão afetuoso, gentil e claro. Eu também não sei cortar melancia direito. Achei de extremo carinho você não tentar me convencer de nada como fez o padre.

Nas suas palavras vi que a maior expressão do espiritual é a própria vida e as pessoas à nossa volta: o amor que me une à minha família e os meus amigos. Pensando assim, o meu quarto estava absurdamente lotado de coisas espirituais agora à pouco e pedi que todos me deixassem à sós por minutos para poder escrever essa mensagem. Prefiro que ela seja entregue à você quando eu morrer. Agora posso falar sem peso sobre a morte, pois sei que deixarei meu legado com todos: minha memória.

Meus amigos trouxeram um violão e me cantaram  músicas que eu gosto (uma delashttp://www.youtube.com/watch?v=L3eiOMQVUqs). Meu pai fez bolo de laranja com suco de cajú de dar lombriga. Minha irmã recitou um poema de Vinícius de Moraes que me emociona. Minha namorada só chora e me beija (energia feminina pura) - bem que eu podia durar mais uns dias ;). Meu primo trouxe um pendrive com imagens do meu cachorro latindo para a camera. Mamãe já falecida, me veio fortemente na memória. Não tenho a pretensão de reencontrá-la, pois no meu coração ela nunca partiu. Estou meio sensível hoje! heheheh

Obrigado pela rapidez e prontidão em me responder, nem esperava um post para mim (mentira) e senti o carinho dos seus leitores. Se puder crie uma nota de falecimento no Facebook e peça a eles que compartilhem seu texto com todo mundo (quero ser um morto virtual famoso rsrsr). As pessoas à sua volta tem sorte em tê-lo em suas vidas, pena não ter sido seu paciente ou amigo. Fucei na internet (sou stalker) e vi que fará 31 anos em breve, parabéns psicólogo!

Após cremado, quando as cinzas forem atiradas ao mar digam: aqui nada um homem feliz! :)

Seguirei seu conselho: quero estar bem vivo quando eu morrer!
Um abraço e longa vida a você também...
Do amigo que parte, R."

Hoje meu amor fica sem palavras e como foi pedido por R. se quiser compartilhe essa nota de falecimento."




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